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Não sei de mim

Me dei conta que sei muito de você. Conheço o mapa do seu corpo, a xícara de café com leite vegetal, suavemente quente, a forma de passar a manteiga no pão. Sei de mim muito pouco. Fui esquecendo. Esses dias percebi que tenho uma pinta no braço. Disseram que era de nascença. Não sabia. Eu sei tanto de você e nada de mim. Sei de você, e nada sobre nós. Só sei de você. Wellingtton Jorge

Velha infância

No frio, há de brincar como criança. Esquentar as pernas no pega-pega, deixar aquecer a inocência na cantiga. Gritar, ser — apenas ser — e não pensar em como deveria existir. Velha infância, — Corra com eles para brincar. — Estou quase correndo para me esquentar. Como adulto, queremos permissão para avançar. — Lembre-se: criança não pede licença para brincar. Wellingtton Jorge

Quando a Vida desfila

 Um dia li Manoel de Barros: “Andando devagar eu atraso o final da Vida.” Que maravilhoso ler isso! O triste é que a Vida também o lê. E, sabendo disso, a brincalhona faz suas meninices: corre para alcançar alguns, mete a rasteira em outros, se esconde, atrasa o que não deveria atrasar, apressa o que não deveria existir. Essa menina é linda demais, e incontrolável — igual ao cavalo Spirit. Mandona e manhosa, tudo do jeito dela. Sabendo pegá-la, verá o quanto é leve. Há os que dizem que ela é pesada. Não afirmo, mas tenho minhas dúvidas. A vi em várias formas, igual a um desfile de carnaval: alegorias e fantasias diferentes passando na avenida, com o Tempo marcando. Seu pai é bravo, meticuloso e de poucas palavras. Enquanto a Vida brinca, ele acelera. Manoel de Barros tenta… mas, no final, é o pai quem organiza o fim. Wellingtton Jorge

Longe de Casa [minha menina]

Logo cedo, bem longe de casa, se despiu para o mundo e do mundo se vestiu. A cada pagamento, um pouco de si se esvaía. Para cada momento, um pouco do outro ficava. [minha menina] Na beira das estradas, ruas e becos, plantou presença. Se vende. Vejo medo em seu olhar. Vejo seu corpo lá, e seus olhos atentos pedem socorro! [minha menina] Ouvindo a canção, no disco antigo, a Esperança a escuta. Mesmo sem palavras, ouviu a dor em teus olhos. Na tarde de chuva, ela chorou. [minha menina] Wellingtton Jorge

Escancarar

O que me resta é o essencial. Foi tirado de mim o segundo passado. Não me presenteiam com o instante futuro. Não sou nada mais do que um pingo de inexistência na história do mundo. Se há um Deus, Ele não tem em suas mãos o nome de todos. Se não há Deus, tudo se explica. Buscamos pedras escritas, mantos enterrados numa cova, todo o saber. Tudo é um esquecido. Qual o sentido disso tudo? Por que há tantas coisas, seres, saberes, conheceres… e o que podemos conhecer, a não ser o que nunca conseguiremos compreender? Wellingtton Jorge

Sem nome

Liberdade mesmo é de quem não nasceu. Não está preso em nenhum corpo, consciência ou deveres. Não precisa ser. Não se importa em ter. Talvez nem saiba o que é. Nada importa sua definição. Sem cor, religião, nacionalidade, profissão... E o principal, sem nome. Wellingtton Jorge In memoriam de Bruno — este poema, escrito antes de sua partida, agora ganha novo sentido como singela homenagem à sua memória.

Sexo

Falem o que quiser, mas o sexo com amor é a droga viciante do coração. Como uma roda-gigante — é maravilhoso. Esse movimento orgânico entre os corpos: um sobe, outro desce. Você sobe, eu desço. Alterando a visão, contemplação, prazer e adrenalina. Wellingtton Jorge

Se deixar viver

A vida tem sido apertada. Me fiz caber em você, mesmo sem espaços. Tornei-me pequeno. Tão pequeno — que desapareci de mim. E assim, nunca mais fui aquele. Fui me tornando chuva. Serena chuva — gotas que escorreram no meu rosto, no seu rosto... Pra se deixar de viver — aquela aliança. Wellingtton Jorge

Monjolo

Todos os relógios que tenho, ajustei. Mas, em tudo, chego atrasado. Não é falta de disciplina, organização ou responsabilidade. (Tudo isso tenho demais — minha terapeuta até me pede para me cobrar menos.) Contudo, a vida me deu isso. Vivo correndo para alcançar. Meu tempo voa. Se eu fosse de sangue aristocrata, sei que seria diferente. Meu sangue é Angola, Congo, Benguela, Monjolo, Cabinda, Mina, Quíloa, Rebolo... igual ao Jorge Ben.   Wellingtton Jorge

Calvície, a debochada

A resistência do homem e sua calvície é algo admirável. Ele luta até os últimos fios de cabelo, mesmo que não tenha quase nada... ainda penteia. A calvície leva fio a fio. Todos os dias, no espelho, ela debocha, tira um sarro: — Cabelo em pé? Não! Cabelo no chão! Bravamente, o homem se mantém firme em seu propósito. Todos sabem, veem e comentam (escondidamente). Chega o dia em que o homem supera seu âmago, raspa os remanescentes, se olha no espelho e procura a debochada: — Calma, meu senhor... embora não veja, a ti eu pertenço. Wellingtton Jorge Observações de um passageiro do seu cobrador de ônibus

Ônibus

Cheguei, passou. Dei sinal, nem vou. Tentei correr, mas era tarde. Espero, como sempre esperei. Quando era menino, me ensinaram que é preciso esperar o tempo das coisas. Até na Bíblia tem isso. Então, espero... Tenho esperado demais. Agora vou. Não era assim que eu queria — mas tem como ir neste que chegou. Cheguei, passou. Nem consegui chamar. Quando vi, já estava virando a esquina. Vou esperar novamente, como sempre faço — nem sei se faço porque quero, preciso, ou aprendi. E o que se aprende quando é menino se torna lei depois do tempo. Até penso que estou atrasado: quando chego, quase tudo já passou. Quando vou, já não importa mais. E quando tenho, não funciona mais! Tento recuperar o perdido, mas de longe vejo outros embarcando tranquilamente. Talvez seja assim: para mim, já passou. Para eles, tudo chegou. Wellingtton Jorge

Bicicleta

Vou ali, Assim, Rapidin,  Com Iracema -  a magrela  Wellingtton Jorge

Banho de Compaixão

Engana-se quem cobra de si perfeição. Humano se deleita na consistência mergulhada na compaixão, como banho de espumas — totalmente imerso em seu corpo, e suaves bolhas de sabão aromatizando o instante. Wellingtton Jorge 

Sofá

Não quero mais ficar aqui. Comecei a fazer as malas. Estou decidido — partirei assim como cheguei. Já coloquei todas as memórias e momentos na mala. Assustei quando percebi que terei que levar muitas. Sentei no sofá, te esperei chegar. Vi a bola, o travesseiro, a mesa e o pão. Sim! Tomei a decisão! Me escuta: não quero mais ficar aqui... Eu vou morar lá. E lá… eu nem sei onde é! Mas antes de ir, gostaria tanto de ouvir você mandando eu ficar , gritando alto, para que no sofá dos abraços eu pudesse voltar. Wellingtton Jorge

Um segundo

Um segundo  Um segundo com seu olhar  Um segundo com seu beijo  Um segundo com seu toque  Um segundo com seu cheiro  Um segundo é a castelo para eternidade  Wellingtton Jorge 

Guarda - chuva

Nossos passos não são sincronizados Andamos na chuva. Nosso amor é um eterno temporal? Iremos nos cobrir com o quê? Mesmo molhado, quero dançar. E você me pede para ir devagar. Você me pede, e eu posso tentar... Mas... Eu não sei ir tão devagar... Wellingtton Jorge 

Meu Alfa Romeo

Não quero os carros novos Sou adepto dos antigos Coisas que todos acham estranhamente loucas Prefiro autenticidade à novidade Levo a vida assim, Compondo minha aquarela com cores antigas E desviando das paletas modernas Wellingtton Jorge Nota: Trabalho inspirado na foto de um Alfa Romeo, compartilhado no grupo de poesia 

Labirinto

Engana-se quem pensa na vida como um fluxo linear. Também está equivocado quem acredita que ela é feita apenas de rotas sinuosas. O mais próximo de uma compreensão é pensá-la como um labirinto. Caminhos que não levam a lugar algum, outros que permitem avançar um pouco. E quando você finalmente sai, descobre que a saída é a morte. Wellingtton Jorge  

Ele Sabe (Deus sabe)

Deus é um ser tão peculiar. Não sabemos quem é de fato, onde vive, como nasceu. Cremos que nos escuta, que em suas mãos estamos, que toma conta do nosso ser. Somos humanos estranhos, lindamente estranhos, complexos em definição. Herança desse Deus criador. Talvez! Talvez? Existimos por algum motivo e Ele se revelou por alguma razão. Sei que existe algo além do que vemos. O que enxergamos não é o que realmente conseguimos ver. Nascemos e não sabemos de onde. Morremos e não sabemos para onde. Vivemos e não sabemos para que. Wellingtton Jorge 

Esconder

O que tento fazer, não faço O que não quero fazer, faço Entendo o Apóstolo Paulo Há tantos de mim brigando Buscando prazeres, aclamando efemeridade, gritando com aquele que vai lentamente O constante, Amante do presente, o consciente que atento está. Ao olhar para trás, lá no passado Alguns anos, minutos, segundos... Vejo que cai, errei [como errei!] Um chapéu vestiria, não como ornamento Mas em meu rosto para esconder [a fraqueza]. Não falaria comigo mesmo, se pudesse E falando, eu estranho o que o fui e fiz. Ahhh!  respiro para ter um pouco de coragem Pois preciso viver e, fazer tudo reviver! Wellingtton Jorge